Em muitos casos, a desconfiança de usar produtos químicos e a falta de informação científica conduzem os agricultores ao uso indiscriminado e inadequado de agrotóxicos. O que raramente se discute é a razão pela qual os agricultores aplicam agrotóxicos, e como têm acesso aos produtos e às informações com relação à sua utilização. Se a exposição de seres humanos a altas doses de agrotóxicos é um problema real na agricultura, seria sensato alertar os agricultores para os efeitos nocivos dos produtos ao invés de propagandear seus benefícios.
- A opinião difundida é de que o glifosato seria menos prejudicial em comparação aos herbicidas anteriormente utilizados. Este é um dos principais argumentos criados pela Monsanto para propagandear as vantagens dos seus produtos, baseados na classificação toxicológica do produto como “faixa verde”.
- Na linguagem dos agricultores, o Roundup chega a ser caracterizado como não sendo tóxico ou como o “bom veneno”. Há agricultores que afirmam ter ingerido, acidentalmente, o produto e que as consequências teriam sido “apenas” vomito e diarreia.
- Como o metabolismo de animais é diferente, a toxicidade aguda do glifosato é baixa e os sintomas de intoxicação só são registrados em contacto com uma dose elevada do produto. Isso não significa que não haja interferência crónica do glifosato sobre o metabolismo animal e, é preciso considerar, que na formulação do Roundup constam outros produtos que, em conjunto com o glifosato e outras substâncias no solo, meio ambiente e organismos vivos, acabam por ter diferentes efeitos colaterais. Para aumentar a eficácia do herbicida e facilitar a sua penetração nos tecidos vegetais, a maioria das suas formulações comerciais possui uma substância química surfactante (um composto químico que reduz a tensão superficial do líquido). A formulação Roundup, que é a mais utilizada, é composta de surfactante polioxietileno-amina, ácidos orgânicos de glifosato relacionados, sal de isopropilamina e água. Em função dessa composição, o Roundup possui uma toxicidade aguda maior que o glifosato puro, testado em laboratório pelas principais agências reguladoras do produto nos EUA. O surfactante presente no Roundup está contaminado com 1-4 dioxano, um agente causador de cancro em animais e potencialmente causador de danos no fígado e nos rins de seres humanos. Como resultado da decomposição do glifosato regista-se uma substância potencialmente cancerígena conhecida, o formaldeido. E a combinação do glifosato com nitratos no solo ou em combinação com a saliva, origina o N-nitroso glifosato, cuja composição também é potencialmente cancerígena e para a qual não há um nível de exposição seguro.
- Um estudo realizado na Suécia [1] concluiu que há uma associação do contato prolongado com glifosato e o linfoma non-Hodgkin, outra forma de cancro, e os cientistas alertam para o caso, considerando o exponencial aumento no consumo do herbicida a nível mundial em soja transgénica.
- Um problema sério é que a maioria dos estudos sobre os efeitos do glifosato e seus derivados sobre a saúde e o meio ambiente são realizados pelos próprios fabricantes do produto, interessados em aprovar seu uso e impulsionar as vendas. Soma-se a isso a dificuldade de realizar estudos independentes sobre o produto, uma vez que são poucos os laboratórios no mundo que possuem os recursos, equipamentos e técnicas necessárias a uma efectiva avaliação dos seus impactos e, além disso, a formulação do herbicida e os produtos dele derivados estão protegidos pelo princípio do sigilo e segredo industrial e comercial.
- A história dos processos de registro e liberação do uso de agrotóxicos revela que não são poucos os casos em que práticas fraudulentas, como a falsificação de dados, a omissão de informações e a manipulação de equipamentos conduziram a resultados falsos em benefício da estratégia industrial e comercial e em prejuízo de milhões de pessoas que sequer são informadas sobre os possíveis efeitos de sua utilização.
- O efeito do glifosato no organismo humano é cumulativo e a intensidade da intoxicação depende do tempo de contacto com o produto. O herbicida pode continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o contacto com o produto e em solos por mais de três anos, dependendo do tipo de solo e clima. Como o produto possui uma alta solubilidade em água, a sua degradação inicial é rápida, seguida, porém, de uma degradação lenta. O composto foi encontra-se tanto em águas superficiais como subterrâneas.
- O Roundup, mesmo em forma de resíduos, pode inibir a síntese de esteróides, ao interromper a expressão da proteína StAR (steroidogenic acute regulatory protein), ocasionando distúrbios reprodutivos em mamíferos [2] . O produto actua também como desregulador de enzimas essenciais à produção de espermatozóides, ocasionando a produção anormal de esperma.
- No Rio Grande do Sul, a cientista Eliane Dallegrave [3] detectou, em 2004, a toxicidade reprodutiva do Roundup em ratos Wistar , como o aumento da percentagem de espermatozóides anormais em puberdade e a redução da produção diária e do número de espermatozóides em idade adulta. Além disso, foram verificados distúrbios de desenvolvimento e alterações nos tecidos testiculares dos ratos.
- Se essas conclusões podem ser generalizadas para outras espécies animais e aos seres humanos, isso continua uma incógnita que carece de estudos. O cuidado no manuseio e na aplicação do Roundup, por parte dos agricultores, entretanto, e suas consequências aos seres humanos e ao meio ambiente, certamente, merecem mais atenção.
[1]HARDELL, Lennart; ERIKSSON, Miikael. A case-control study of non-Hodgkin lymphoma and exposure to pesticides. Cancer , Lund, N.º 85, p. 1353-1360, 15 de março de 1999.
[2]WALSH, L.; McCORMICK, C.; MARTIN, C.; STOCCO, D. Roundup inhibits steroidogenesis by disrupting steroidogenic acute regulatory (StAR) protein expression. Environ Health Perspect . Cary NC, N.º 108, p.769-776, Julho de 2000
[3]DALLEGRAVE, E.; MANTESE, F.; COELHO, R.; PEREIRA, J. DALSENTER, P.; LANGELOH, A. The teratogenic potential of the herbicide glyphosate-Roundup® in Wistar rats. Toxicology Letters, Oxford, v. 142, N.º 1, P. 45-52, 30 de Abril de 2003.
5) Farmer DR, Kaempfe TA, Teratology 2000 Jun;61(6):446.
(6) Marc J, Bellé R, Toxicol Sci. 2004, Dec; 82(2):436-42.
(7) Watson RA, Williams AL, Birth Defects Res A Clin Mol Teratol 2006 May;76(5):383