11 de abril de 2012

A IMPORTÂNCIA DA TROCA DE SEMENTES ENTRE AGRICULTORES


Colher para voltar a semear foi ao longo de milénios uma prática comum aos agricultores de todo o Mundo. Era assim desde que o homem começou a cultivar a terra: o agricultor guardava de um ano para o outro as sementes – por exemplo dos melhores tomates dos seus tomateiros – garantindo deste modo a possibilidade de voltar a semeá-los na altura própria.

As melhores sementes eram guardadas e passavam de geração para geração, chegando a ser consideradas como um dote de casamento. As famílias mantinham e acabavam por criar variedades – por exemplo de alface – através da selecção das sementes, definindo aos poucos o que melhor se adaptava a determinada região e aos seus gostos gastronómicos. Davam-lhes nomes como alface folha-de-carvalho, feijão papo-de-rola, maçã camoesa riscada, maçã pardo-lindo, chícharo longo… Ou outros nomes hoje mais conhecidos dos portugueses, como a pêra-rocha ou a maçã bravo-de-Esmolfe.

Entretanto a agricultura e as sociedades mudaram muito – sobretudo no séc. XX – e hoje a maior parte das sementes e estacas disponíveis no mercado português são híbridas. Ou seja, são variedades melhoradas industrialmente com o objectivo de possibilitarem uma maior produção. Servem apenas para uma colheita, ficando os agricultores dependentes economicamente das empresas que vendem essas sementes, sujeitas a patente.

As variedades híbridas têm também menos resistência e adaptabilidade aos climas específicos de cada região, tornando-se indispensável utilizar adubos químicos e pesticidas.

Quem produz esses adubos e esses pesticidas são quase sempre as poucas empresas multinacionais que também “criam” e vendem as sementes híbridas.

As mesmas empresas começam agora a vender também sementes transgénicas, ou seja sementes de variedades modificadas geneticamente, ainda pouco estudadas e com possíveis efeitos negativos na saúde e no ambiente. E são também as mesmas empresas multinacionais que controlam os grandes grupos de distribuição alimentar em todo o Mundo.

Mesmo sem ter em conta a crise alimentar que tem vindo a ser sentida em vários países, basta juntar dois mais dois: quem controla o mercado mundial de sementes tem um grande poder. Económico e político.
Há quem se oponha a esse grande poder e aos seus efeitos no ambiente e na economia, formando redes de troca de sementes entre agricultores. Tanto em Portugal como em França, nos Estados Unidos, em Espanha, no Equador, em Itália… É uma luta de David contra Golias, mas tem dado cada vez mais frutos.
Neste caso os Davides são agricultores que se começaram a organizar em rede para trocar sementes tradicionais, sementes que escapam ainda à lógica dos híbridos e dos
transgénicos. São agricultores-activistas, muitas vezes praticantes de agricultura biológica. E no fundo o activismo neste caso tem a ver com dar um passo atrás para construir um futuro mais sustentável, cultivando a terra de uma forma mais próxima da agricultura dos nossos bisavós e trisavós.

Além de escaparem ao controlo económico das multinacionais de sementes, estes agricultores promovem a biodiversidade ao combater a erosão genética. Ou seja, evitam que vão desaparecendo dos campos mais variedades tradicionais em risco de extinção. Quase todas as não-híbridas correm esse risco, excepto algumas variedades tradicionais como a maçã bravo-de-Esmolfe, que já estão defendidas pela procura por parte dos consumidores. Fora dos campos, muitas destas variedades têm vindo a ser mantidas em colecções estatais e privadas, congeladas nos chamados bancos de germoplasma vegetal. Mas por exemplo os agricultores da União Europeia (UE) não podem vender nem comprar destas sementes, por não estarem inscritas no catálogo oficial de variedades da UE. Ou seja, por não estarem patenteadas as variedades tradicionais são na prática fora-da-lei.

Em França há várias redes de sementes tradicionais, como a Réseau Semences Paysannes. Em Itália existe por exemplo a Rete Semi Rurali. Em Espanha há vários grupos que dão por nomes como Un Paso Atrás, Red Andaluza de Semillas ou Red de Semillas Resembrando e Intercambiando. No Equador há a Red de Guardianes de Semillas. E a associação Grain está sediada em Barcelona, contando com activistas em vários países. Estes são apenas alguns exemplos de uma dinâmica que vai contando com cada cada vez mais agricultores a nível mundial, em muitos casos agricultores urbanos.

Em Portugal este activismo tem ganho força nos últimos anos a partir do trabalho da associação Colher Para Semear – Rede Portuguesa de Variedades Tradicionais, formada por agricultores de vários pontos do País. A associação faz parte da plataforma portuguesa Transgénicos Fora e neste momento terá à volta de 120 associados em todo o País, segundo o jornal da Colher Para Semear, O Gorgulho. (…)

Sites e Contactos

colherparasemear@gmail.com
www.semencespaysannes.org
www.unpasoatras.org
www.redandaluzadesemillas.org
www.semirurali.net
www.grain.org
www.redsemillas.info


CAMPANHA SEMENTES LIVRES
Sob pretexto da eliminação de concorrência 'desleal', de um mercado 'justo' e da protecção da saúde pública, a indústria de sementes quer ver ilegalizadas a prática de guardar sementes e a produção de variedades não registadas. Entre estas incluem-se muitos milhares de variedades tradicionais, a herança genética vegetal da Europa e do mundo.

A Comissão Europeia está prestes a satisfazer estes pedidos da agro-indústria. Nos últimos anos levou a cabo uma revisão da legislação sobre a reprodução e comercialização de sementes e pretende juntar todas as directivas existentes numa regulamentação, a chamada “Lei das Sementes”, que teria primazia sobre a legislação nacional. A Lei restringiria drasticamente a livre reprodução e circulação de sementes. Neste momento, em vários países da Europa, já está em curso uma caça às bruxas: Em França, os agricultores que guardam sementes são obrigados a pagar uma taxa à Associação da Indústria das Sementes; na Suíça, uma tentativa de registar variedades tradicionais resultou na ilegalização de várias das mesmas. Mesmo em Portugal, tecnicamente não é possível guardar ou comercializar sementes sem satisfazer um rol de critérios que tornariam a prática inviável para variedades tradicionais.

A crescente privatização das sementes constitui uma ameaça ao nosso património genético comum e à segurança alimentar. Os agricultores deixarão de poder guardar sementes e os criadores independentes deixam de poder melhorar variedades. Por consequência, não haverá nenhum incentivo para preservar variedades tradicionais e o mercado restringir-se-á a um espólio infinitamente mais reduzido de variedades comerciais, onde irão dominar, entre outras, as variedades transgénicas.

Juntem-se à Campanha pelas Sementes Livres


Dezenas de milhares de pessoas por toda a Europa estão a pedir activamente que o direito de produzir sementes permaneça nas mãos dos agricultores e horticultores. As sementes de cultivo são um bem comum, criado por acções humanas ao longo de milénios. Devem permanecer no foro público e sob condições algumas entregues para a exploração exclusiva da indústria de sementes.

Os pedidos da Campanha europeia pelas Sementes Livres
  • O direito dos agricultores e horticultores à livre reprodução, guarda, troca e venda das suas sementes.
  • A promoção da biodiversidade agrícola através da preservação das sementes de origem regional e biológica.
  • A recuperação dos conhecimentos tradicionais e a cultura gastronómica local agrícolas.
  • O fim às patentes sobre a vida e ao uso de organismos geneticamente modificados na agricultura e na alimentação.
  • Uma nova política agrária que, em vez de apoiar a produção industrial intensiva e as monoculturas, promove a produção ecológica e biodiversa.

Ajude a inverter o rumo da legislação sobre sementes e a apoiar a biodiversidade agrícola e a agricultura tradicional, com informação on e offline, seminários e campanhas de sensibilização e protesto, petições, a dinamização de hortas guardiãs de sementes e feiras de troca de sementes tradicionais, nacionais e internacionais.
Descarregue a petição e ajude a recolher assinaturas, ou contacte para participar nas actividades:    sementeslivres@gaia.org.pt | www.sosementes.gaia.org.pt